As Artes Visuais no Ensino Infantil


O trabalho com as Artes Visuais na educação infantil requer profunda atenção no que se refere ao respeito das peculiaridades e esquemas de conhecimento próprios a cada faixa etária e nível de desenvolvimento. Isso significa que o pensamento, a sensibilidade, a imaginação, a percepção, a intuição e a cognição da criança devem ser trabalhados de forma integrada, visando a favorecer o desenvolvimento das capacidades criativas das crianças.

No processo de aprendizagem em Artes Visuais a criança traça um percurso de criação e construção individual que envolve escolhas, experiências pessoais, aprendizagens, relação com a natureza, motivação interna e/ ou externa. O percurso individual da criança pode ser significativamente enriquecido pela ação educativa intencional; porém, a criação artística é um ato exclusivo da criança. 

É no fazer artístico e no contato com os objetos de arte que parte significativa do conhecimento em Artes Visuais acontece. No decorrer desse processo, o prazer e o domínio do gesto e da visualidade evoluem para o prazer e o domínio do próprio fazer artístico, da simbolização e da leitura de imagens.

O ponto de partida para o desenvolvimento estético e artístico é o ato simbólico que permite reconhecer que os objetos persistem, independentes de sua presença física e imediata. Operar no mundo dos símbolos é perceber e interpretar elementos que se referem a alguma coisa que está fora dos próprios objetos.

Os símbolos reapresentam o mundo a partir das relações que a criança estabelece consigo mesma, com as outras pessoas, com a imaginação e com a cultura.

Ao final do seu primeiro ano de vida, a criança já é capaz de, ocasionalmente, manter ritmos regulares e produzir seus primeiros traços gráficos, considerados muito mais como movimentos do que como representações.

É a conhecida fase dos rabiscos, das garatujas. A repetida exploração e experimentação do movimento amplia o conhecimento de si próprio, do mundo e das ações gráficas. Muito antes de saber representar graficamente o mundo visual, a criança já o reconhece e identifica nele qualidades e funções. Mais tarde, quando controla o gesto e passa a coordená-lo com o olhar, começa a registrar formas gráficas e embora todas as modalidades artísticas devam ser contempladas pelo professor, a fim de diversificar a ação das crianças na experimentação de materiais, do espaço e do próprio corpo, destaca-se o desenvolvimento do desenho por sua importância no fazer artístico delas e na construção das demais linguagens visuais (pintura, modelagem, construção tridimensional, colagens).

O desenvolvimento progressivo do desenho implica mudanças significativas que, no início, dizem respeito à passagem dos rabiscos iniciais da garatuja para construções cada vez mais ordenadas, fazendo surgir os primeiros símbolos.

Imagens de sol, figuras humanas, animais, vegetação e carros, entre outros, são frequentes nos desenhos das crianças, reportando mais a assimilações dentro da linguagem do desenho do que a objetos naturais. Essa passagem é possível graças às interações da criança com o ato de desenhar e com desenhos de outras pessoas.

Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente uma ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos visuais que essa ação produziu.

A percepção de que os gestos, gradativamente, produzem marcas e representações mais organizadas permite à criança o reconhecimento dos seus registros.

No decorrer do tempo, as garatujas, que refletiam sobretudo o prolongamento de movimentos rítmicos de ir e vir, transformam-se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e podem estar se referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou mesmo a outros desenhos.

Na medida em que crescem, as crianças experimentam agrupamentos, repetições e combinações de elementos gráficos, inicialmente soltos e com uma grande gama de possibilidades e significações, e, mais tarde, circunscritos a organizações mais precisas.

Apresentam cada vez mais a possibilidade de exprimir impressões e julgamentos sobre seus próprios trabalhos.

Enquanto desenham ou criam objetos também brincam de “faz-de-conta” e verbalizam narrativas que exprimem suas capacidades imaginativas, ampliando sua forma de sentir e pensar sobre o mundo no qual estão inseridas.

Na evolução da garatuja para o desenho de formas mais estruturadas, a criança desenvolve a intenção de elaborar imagens no fazer artístico. Começando com símbolos muito simples, ela passa a articulá-los no espaço bidimensional do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície. Passa também a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio ambiente e nos trabalhos aos quais ela tem acesso, incorporando esse conhecimento em suas próprias produções.

No início, a criança trabalha sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe sobre o mundo e esse saber estará relacionado a algumas fontes, como a análise da experiência junto a objetos naturais (ação física e interiorizada); o trabalho realizado sobre seus próprios desenhos e os desenhos de outras crianças e adultos; a observação de diferentes objetos simbólicos do universo circundante; as imagens que cria.
No decorrer da simbolização, a criança incorpora progressivamente regularidades ou códigos de representação das imagens do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para imprimir o que se vê.

É assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e sensibilidade, que podem então ser apropriadas pelas leituras simbólicas de outras crianças e adultos.

A imitação, largamente utilizada no desenho pelas crianças e por muitos combatida, desenvolve uma função importante no processo de aprendizagem. Imitar decorre antes de uma experiência pessoal, cuja intenção é a apropriação de conteúdos, de formas e de figuras por meio da representação. 

As atividades em artes plásticas que envolvem os mais diferentes tipos de materiais indicam às crianças as possibilidades de transformação, de reutilização e de construção de novos elementos, formas, texturas etc. A relação que a criança pequena estabelece com os diferentes materiais se dão, no início, por meio da exploração sensorial e da sua utilização em diversas brincadeiras.

Representações bidimensionais e construção de objetos tridimensionais nascem do contato com novos materiais, no fluir da imaginação e no contato com as obras de arte.

Para construir, a criança utiliza-se das características associativas dos objetos, seus usos simbólicos, e das possibilidades reais dos materiais, a fim de, gradativamente, relacioná-los e transformá-los em função de diferentes argumentos.

O que muda com a BNCC

BNCC: um resumo das mudanças trazidas pela base nacional curricular comum

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento com caráter normativo que serve de referência para a elaboração dos currículos de todas as escolas que ofertam educação básica no País.

Traremos nesse artigo um breve histórico da BNCC, um resumo das mudanças que ocorreram a partir de 2019, e seus principais impactos e desafios para a educação no Brasil.

Mas antes disso é importante entender que a BNCC orienta não apenas na construção dos currículos, mas na elaboração e revisão das propostas pedagógicas, nas políticas para formação de professores, nos materiais didáticos e avaliações.

A BNCC foi criada com o objetivo de promover a equidade por meio de uma formação integral do cidadão. Quando se fala de uma educação completa, trata-se não apenas do desenvolvimento intelectual, mas também social, físico, emocional e cultural, compreendidos como fundamentais para uma total construção do saber.

Através da BNCC, e com base nas aprendizagens essenciais para garantir uma formação integral, foram estabelecidas dez competências gerais que nortearão o trabalho das escolas e dos professores em todos os anos e componentes curriculares.

Além dos pontos citados acima, vale destacar que a base nacional fará com que todo o País fale a mesma língua por meio de uma estrutura única baseada em habilidades e competências.

A ideia, de forma geral, é que o aluno passe a aprender prioritariamente para a vida, e não exclusivamente para a prova.

Um breve histórico da BNCC

A BNCC vem sendo motivo de pautas há muitos anos. Sobreviveu a seis ou sete ministros e dois presidentes da república, e apenas em 2018 passou a ser implementada.

Na Constituição Federal de 88 já era prevista a criação de uma Base Nacional Comum Curricular para o ensino fundamental. Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 96 foi determinada a adoção de uma base comum para toda a educação básica.

Em 1997 são elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais referenciando cada disciplina do currículo escolar. A BNCC é contemplada no Plano Nacional de Educação (PNE) em 2014.

O MEC, Consed e Undime definem o grupo de redação e, em setembro de 2015, a primeira versão da BNCC é publicada e submetida à consulta pública.

A terceira versão do documento é elaborada em 2017 e sua aprovação passa por audiências públicas através do Conselho Nacional de Educação (CNE), sendo que no final desse processo a BNCC é finalmente concebida pelo MEC.

Por fim, a implementação da base comum em todas as escolas é prevista para ocorrer de 2018 a 2020, passando por etapas, como por exemplo, (re)elaboração dos currículos, revisão de materiais didáticos e formação de professores.

É importante destacar que a construção da BNCC foi toda elaborada de forma democrática, envolvendo educadores e membros da sociedade.

Resumo das mudanças trazidas pela BNCC

A BNCC define dez competências gerais que englobam aspectos como:
        1.  Conhecimento
        2.  Pensamento científico, crítico e criativo
        3.  Repertório cultural
        4.  Comunicação
        5.  Argumentação
        6.  Cultura digital
        7.  Autogestão
        8.  Autoconhecimento e autocuidado
        9.  Empatia e cooperação
      10.  Autonomia e responsabilidade

São contemplados elementos cognitivos, sociais e pessoais a serem desenvolvidos pelos alunos. Se aplicam a toda a área do conhecimento, independente do componente curricular.

A ideia não é planejar uma aula específica sobre as competências contempladas na base comum curricular, mas articular a sua aprendizagem à de outras habilidades relacionadas às áreas do conhecimento.

A priorização do desenvolvimento de competências é muito mais moderno e efetivo do que olhar para o desenvolvimento de um conteúdo específico.

Vale ressaltar que, a BNCC diz aonde se quer chegar com a educação, mas os responsáveis pelos caminhos para chegar até lá são os currículos.

Na imagem abaixo, você compreenderá como a estrutura ficou organizada:


Perceba que toda a estrutura da educação básica se inicia pelas competências gerais, sendo que cada etapa é pensada em um formato diferente.

O ensino infantil é pensado sob a perspectiva de campos de experiências. O ensino fundamental é dividido por áreas de conhecimento, competências específicas para cada área, componentes curriculares, e competências exclusivas de cada componente. O ensino médio não está estruturado no desenho pois ainda está em discussão.

Para que tenhamos um processo de re(elaboração) dos currículos de forma articulada, e para que não existam inúmeros modelos do documento no País, foi criado um padrão de currículo através de um regime de colaboração.

A ideia é que os Estados junto com seus Municípios padronizem um modelo, porém agregando as especificidades de cada cidade. O regime colaborativo acaba abrindo portas para que outros assuntos possam ser trabalhados de forma articulada, e não apenas na elaboração do currículo.

Principais impactos e desafios

O impacto se dará não apenas na re(elaboração) dos currículos, mas nos processos de ensino e apr
endizagem, gestão, formação de professores, avaliações e no próprio Projeto Político-Pedagógico (PPP).

Nesse momento, nos encontramos na etapa 3 do processo de implementação da BNCC, e a partir de 2019 a etapa 4 deverá ser executada:

        1.  Estruturação da governança da implementação
        2.  Estudo das referências curriculares
        3.  Re(elaboração) curricular
        4.  Formação continuada
        5.  Revisão dos projetos pedagógicos
        6.  Materiais didáticos
        7.  Avaliação e acompanhamento de aprendizagem

Muitos Estados e Municípios já terminaram a primeira revisão do currículo e disponibilizaram para consulta pública. Com a colaboração de toda a comunidade escolar, será possível chegar a uma versão final do documento que atenda a expectativa de todos os envolvidos no processo, e da maneira mais transparente e democrática possível.

Algumas das práticas previstas na base comum curricular são aplicadas de forma intuitiva em várias escolas, mas com a sistematização e o planejamento do processo educacional, essas práticas serão aplicadas de maneira intencional e impactarão muito mais alunos em todo o território nacional.

Sabemos que a BNCC ainda possui inúmeras oportunidades de melhorias, mas é verdade que trará um grande avanço para a educação no País.

O documento normativo, com certeza, passará por mais revisões ao longo dos anos. A Austrália é um exemplo disso, sua base passou por oito revisões até que chegasse ao ponto que gostariam.

As mudanças projetadas através da BNCC, em resumo, trazem uma grande expectativa para garantirmos a questão do aprendizado e a constante melhoria do ensino, temas centrais quando falamos da construção do saber.

O que é Coesão?


Coesão é o emprego de mecanismo de sintaxe que relaciona palavras, orações, frases e/ou parágrafos entre si. Em outras palavras, a coesão dá-se quando, através de um pronome relativo, uma conjunção (NEXOS), ou um pronome oblíquo átono, há uma relação correta entre o que se vai dizer e o que já foi dito.

São muitos os erros de coesão no dia a dia e, entre eles, está o mau uso do pronome relativo e do pronome oblíquo átono. Este depende da regência do verbo; aquele, do seu antecedente. Não se pode esquecer também de que os pronomes relativos têm, cada um, valor semântico, por isso a necessidade de adequação ao antecedente.

Os pronomes relativos são muito importantes na interpretação de texto, pois seu uso incorreto traz erros de coesão. Assim sendo, deve-se levar em consideração que existe um pronome relativo adequado a cada circunstância, a saber:

que (neutro) - relaciona-se com qualquer antecedente, mas depende das condições da frase.
qual (neutro) idem ao anterior.
quem (pessoa)
cujo (posse) - antes dele aparece o possuidor e depois o objeto possuído.
como (modo)
onde (lugar)
quando (tempo)
quanto (montante)

Exemplo:
Falou tudo QUANTO queria (correto)
Falou tudo QUE queria (errado - antes do QUE, deveria aparecer o demonstrativo O).

TEORIA DE MARIA MONTESSORI


Montessori era profundamente católica, seguidora dos princípios desta religião, nasceu em 1870, na cidade Chiaravall e morreu com a idade bastante avançada, em 1952 na Holanda. No movimento da Escola Nova, Montessori ocupa um papel importante pelas técnicas introduzidas nos jardins de Infância e nas primeiras séries.

Montessori fazia oposição aos métodos tradicionais que não respeitavam as necessidades e os mecanismos evolutivos do desenvolvimento da criança. Defendia uma concepção de educação que se estende além dos limites do acúmulo de informações. O objetivo da escola é a formação integral do homem, “uma educação para a vida”. Aos 25 anos começou a se dedicar às crianças anormais, na clínica da Universidade de Roma. Criou várias Casas de Crianças, instituições de educação e vida, e não apenas lugares de instrução. Seu principal objetivo são as atividades motoras e sensoriais visando, especialmente, a educação pré-escolar, trabalho também estendido à segunda infância. Dava importância ao ser biológico, muito mais do que o ser social.

Ela acreditava que a vida é desenvolvimento, e por isto achava que a concepção educacional é de crescimento e desenvolvimento, mais do que ajustamento ou integração social. Defendia que o caminho do intelecto passa pelas mãos, porque é por meio do movimento e do toque que os pequenos exploram e decodificam o mundo ao seu redor.

Seu envolvimento com representantes do movimento socialista italiano era buscar o seu engajamento e cooperação nos bairros, na socialização da “casa” e na comunicação da “família”. Montessori nunca foi comunista, nem socialista, como muitos pensam. Estudou biologia, matemática, psicologia e filosofia, mas formou-se em medicina, tendo sido a primeira mulher na Itália a formar-se em medicina.

Montessori mudou os rumos da educação tradicional, que dava maior atenção à formação intelectual. Seus métodos consideravam as fases de desenvolvimento infantil e as diferenças individuais, preocupando-se com o corpo e o espírito do aluno e o seu processo de adaptação a vida.

Criadora do método pedagógico montessoriano, suas concepções pedagógicas se basearam também na defesa do potencial criativo da criança e no direito de receber uma educação adequada às peculiaridades da personalidade. Direito a vida, a liberdade e a autonomia, o despertar para a atividade infantil, é toda base teórica do seu método.

Montessori disse: "só a criança é a educadora da sua personalidade".

Sua formação médica e larga experiência com crianças de retardo mental influenciaram a ter como preocupação maior na sua escola, com o desenvolvimento das percepções e funções intelectuais. Dedicou-se ao estudo de crianças anormais como assistente de uma clínica psiquiátrica da Universidade de Roma. No decorrer de suas pesquisas e na aplicação do seu método com crianças anormais, resolveu testar também em crianças normais as suas vivencias.

Montessori fez uma grande revolução na concepção de sala de aula para crianças. Achava que todos os materiais existentes em sala de aula deveriam ser adequados a altura e ao tamanho das crianças de seis anos de idade. Esta maneira de pensar de Montessori foi tão aceito, que até hoje é conservado por todos os jardins de infância do mundo.
Em 1907, embora não tendo formação pedagógica, Montessori criou para crianças menores de seis anos, a primeira case dei bambini, onde aplicou na educação de crianças normais, a metodologia bem sucedida com deficientes mentais.

Pensando no professor, ela achava que as atividades em sala de aula devem ser mediadas pelo professor, a disciplina deve nascer da liberdade de pensar, de agir, de sentir, e que o diálogo ainda é a melhor forma de o aluno aprender.

Com o advento do regime fascista e por discordar do governo em querer formar a juventude italiana segundo “moldes brutais”, as escolas montessorianas foram fechadas. Neste período Montessori deixou o país, retornando após a guerra para Roma e aí voltando as suas aulas na universidade. Trabalhou duro para divulgar suas ideias e experiências pedagógicas pelo mundo. Seu trabalho foi reconhecido principalmente na Espanha, Paquistão, Índia, Inglaterra e Holanda.

Temos como princípios fundamentais do método montessoriano, a atividade, a individualidade e a liberdade de movimentos de que a criança dispõe, e um vasto material didático que lhe é fornecido. Em relação à leitura e a escrita, na escola montessoriana, as crianças conhecem as letras e são induzidas na análise das palavras e letras, estando a mão treinada e reconhecendo as letras, as crianças podem ler e escrever palavras e orações inteiras. O ensino das letras recortadas em madeira colorida fazia parte da sua proposta pedagógica. Cada tarefa realizada na sala de aula tem um significado, quer sejam os brinquedos, os blocos, tábuas, e bastões. Todos estes recursos podem servir de base para a geometria em outro estagio de aprendizagem, e também para o estudo de todas as disciplinas. No trabalho com esses materiais a concentração é ponto importante.

Maria Montessori foi uma sonhadora, embora não tenha criado nada fora da realidade. Apesar da sua intensa dedicação, sabia que seu método não podia ser aplicado a qualquer tipo de criança.

Entre suas obras, podemos destacar a Educação para um Novo Mundo, escrita com a intenção de sacudir a humanidade adormecida e insensível, comparou o caminhar da criança neste mundo, ao “caminho dos sofrimentos de Cristo”, sem perder a esperança de uma volta para o bem... a criança surge sempre e volta sempre, fresca e sorridente, para viver entre os homens... a criança é o eterno Messias, que não cessa de voltar entre os homens decaídos para conduzi-los ao Reino dos céus.

TEORIA DE JOHN DEWEY


Dewey era filósofo, psicólogo e pedagogo liberal norte americano, exerceu grande influência sobre toda a pedagogia contemporânea. Criticou a pedagogia de Herbart, no que se refere à ênfase dada ao intelectualismo e a memorização.

Nasceu em Burlington em 1859 e morreu em New York em 1952.

Dewey foi defensor da Escola Ativa, que propunha a aprendizagem através da atividade pessoal do aluno. A filosofia da educação de Dewey foi determinante para que a Escola Nova se propagasse por quase todo o mundo.

Para Dewey, o conhecimento nasce das experiências oriundas de problemas, a educação tem como    finalidade proporcionar ao aluno condições para que resolva por si próprio os seus problemas.

A educação não pode ter modelos prévios, isto é bastante tradicional na teoria de Dewey. A escola não pode ser uma preparação para a vida; a escola é a própria vida. Vida e experiência devem estar sempre unidas no processo de aprendizagem. As ideias de Dewey tiveram grande influência no movimento de renovação da educação no Brasil na década de 1930, e são aproveitadas até hoje pelos que acreditam na educação e na liberdade.

Essa influência se fez sentir, sobretudo por intermédio de Anísio Teixeira que foi seu discípulo na Universidade de Colômbia em 1929. Dewey dava prioridade ao aspecto psicológico da educação, em prejuízo da análise da organização capitalista da sociedade, como fator educacional. Fundou em Chicago, uma escola experimental, na qual foram aplicadas algumas das suas mais importantes ideias: a relação da vida com a sociedade, dos meios com os fins e da teoria com a prática.

O próprio Dewey qualifica o seu pensamento como “naturalismo empírico”, embora sem pretensão a elaborar sistema rígido, o que lhe parecia impossível nos tempos atuais. Foi seu propósito rever e superar os erros do naturalismo e do empirismo tradicionais, emprestando-lhes pronunciado sentido  dialético e historicista. Saindo do pensamento intuicionista da escola escocesa pela via do hegelianismo, tornou-se seguidor de Darwin em biologia e Willian James em psicologia. Tais influências, a par de sua permanente preocupação com a pedagogia levaram-no a convicção de que não é possível manter-se um dualismo entre o homem e o mundo, o espírito e a natureza, a ciência e a moral.

Buscou, então, uma lógica e um instrumento de pesquisa que pudessem ser aplicados igualmente a ambos os domínios. Desenvolveu, a seguir, a doutrina a que deu o nome de “instrumentalismo”.

Você sabia? Jean Piaget!


Você sabia que...

... Piaget com apenas 10 anos publicou, em Neuchâtel, um artigo sobre um pardal branco?
... Aos 22 anos, Piaget já era doutor em Biologia?
... Piaget escreveu cerca de 70 livros e 300 artigos sobre Psicologia, Pedagogia e Filosofia?
... Piaget casou-se com uma de suas assistentes, Valentine Châtenay?
... Observando seus filhos, desvendou muito dos enigmas da inteligência infantil?
... Vigotsky prefaciou a tradução russa de A Linguagem e o Pensamento da Criança, de Piaget, de 1923?
... Vigotsky e Piaget não se conheceram pessoalmente?
... O pai de Piaget era professor de literatura?

AGORA JÁ SABE!

Polissemia e homonímia

A confusão entre polissemia e homonímia é bastante comum. Quando a mesma palavra apresenta vários sig- nificados, estamos na presença da polissemia. Por outro lado, quando duas ou mais palavras com origens e sig- nificados distintos têm a mesma grafia e fonologia, temos uma homonímia.
A palavra “manga” é um caso de homonímia. Ela pode significar uma fruta ou uma parte de uma camisa. Não é polissemia porque os diferentes significados para a palavra “manga” têm origens diferentes. “Letra” é uma palavra polis- sêmica: pode significar o elemento básico do alfabeto, o tex- to de uma canção ou a caligrafia de um determinado indiví- duo. Neste caso, os diferentes significados estão interligados porque remetem para o mesmo conceito, o da escrita.

Avaliação Práticas do Ensino Infantil Que Podem Ser Aplicadas no Ensino Fundamental


Práticas de avaliação que podem ser incorporadas ao Ensino Fundamental.

É preciso informar ao aluno quais as competências e habilidades que precisam alcançar e registrar para enquanto se autoavaliam possam ter total consciência se alcançaram os objetivos propostos e, caso não, o que falta para alcançá-los.

Dentro da perspectiva de uma avaliação contínua, cumulativa, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional recomenda às Escolas de Ensino Fundamental, em seu artigo 24:
“V - A verificação do rendimento escolar observará os seguintes critérios:
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais...”
A partir da recomendação legal, estaríamos utilizando os instrumentos de registro de informação do processo de aprendizagem mais adequados?
Responda nos "COMENTÁRIOS" o que você acha?

Lembramos ainda o quanto é fundamental uma prática que tenha memória. Memória que só pode existir a partir do registro dos processos, das descobertas, das tentativas, dos percursos das turmas.

Os conhecimentos construídos pelos professores ao longo de sua prática, os instrumentos elaborados, os planejamentos feitos, as atividades realizadas, tudo isso registrado significa a legitimação de um saber elaborado a partir da prática.

Isso fica bastante evidente quando nos reportamos à Educação Infantil, pois a LDB diz em seu Art. 31 que:
“na Educação Infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental”.
Assim sendo, constitui-se um processo contínuo e abrangente que considera a criança em sua integralidade. É considerada como parte inerente do processo de formação e, portanto, deve ser parâmetro para o desenvolvimento de todo o trabalho pedagógico na Educação Infantil.

Um procedimento de avaliação que cumpre a função de ser também instrumento de registro e que propicia a memória dos processos de ensino e de aprendizagem, tanto para estudantes, quanto para professores, é o portfólio.

O portfólio é uma tarefa de suma importância para os estudantes e crianças, pois os coloca em contato com sua aprendizagem constantemente.

Além disso, também é um instrumento de avaliação importante, pois serve para valorizar seu trabalho, seu crescimento e suas aprendizagens. No portfólio, os estudantes deixam registrado de maneira concreta o seu caminho ao longo da escolaridade. 

Funciona como “um baú de memórias”. Ao final do ano ou ciclo, o estudante terá um dossiê de sua trajetória e poderá ter um acervo de material rico para lhe auxiliar nas suas próximas etapas.

Segundo Villas Boas (2004, p.38),
“o portfólio é um procedimento de avaliação que permite aos alunos participar da formulação dos objetivos de sua aprendizagem e avaliar seu progresso. Eles são, portanto, participantes ativos da avaliação, selecionando as melhores amostras de seu trabalho para incluí-las no portfólio”.
O portfólio pode constituir-se, tanto para estudantes quanto para professores, como uma coleção dos trabalhos que conta a história de seus esforços, progressos, desempenho, criações, dúvidas etc. Nesse sentido, o portfólio pode ser considerado um instrumento de registro que serve para a avaliação dos processos.

Ao selecionar os trabalhos que comporão o portfólio, professores e estudantes devem fazer uma autoavaliação crítica e cuidadosa, a partir dos objetivos estabelecidos, dos propósitos de cada tarefa ou atividade que estará compondo o instrumento. Podemos ainda dizer que, além de servir como instrumento de autoavaliação e de registro da memória dos processos, o portfólio pode ser um instrumento de comunicação com os pais e/ou responsáveis. É prática corrente, na Educação Infantil, as crianças rememorarem as tarefas que elaboraram durante um período, selecionarem e colocarem essas tarefas em uma pasta que será enviada para casa, a fim de que os responsáveis possam ver o que foi realizado no período. Ou seja, aquilo que não sabiam bem e agora já sabem. Entendemos que tal prática possa ser ressignificada para os outros níveis de ensino.

Um outro instrumento que facilita a prática de uma avaliação formativa é o Caderno de Aprendizagens, um caderno no qual os estudantes se depararão com suas dúvidas e possibilidades de avanço; um caderno de estudos paralelos, digamos assim.

Pode ser uma  iniciativa  do  próprio  estudante  ou uma prática a ser incorporada pelo professor em seu planejamento.

TEORIA DE ROBERT GAGNÉ


Segundo Gagné, a aprendizagem é uma mudança de estado interior que se manifesta através da mudança de comportamento e na persistência, a qual Gagné chama de aprendizagem, refere-se àquela que ocorre quando o individuo interage com o seu meio externo.
A aprendizagem é, segundo ele atividade por uma variedade de tipos de estimulação  provenientes  do  ambiente do individuo. Esta estimulação se constitui em insumo (input) para os processos de aprendizagem. O exsumo (output) é uma modificação do comportamento que é observada como desempenho humano.
À primeira vista o conceito de aprendizagem proposto por Gagné, insere-se no contexto de uma abordagem behaviorista,  isto  é,  do tipo  “estimulo- resposta”. Entretanto, contrariamente á posição  de  Skinner,  por  exemplo,  que

não está preocupado com processos intermediários (entre o estímulo e a resposta) e sim com o controle do comportamento observável por meio das respostas do individuo, Gagné se preocupa com o processo da aprendizagem.
Na abordagem Skinneriana o que interessa é o comportamento observável e não o que ocorre dentro da mente do individuo durante o processo de aprendizagem,   enquanto   que   na   de Gagné a aprendizagem é algo que se realiza “dentro da cabeça do individuo”, e é destacada a importância das teorias de aprendizagem.
Para Gagné, a aprendizagem é um processo formalmente comparável a outros processos humanos orgânicos e, como tal, o conhecimento sobre a aprendizagem  pode  ser  acumulado através  dos  métodos  científicos.  Desse

conhecimento decorrem princípios de aprendizagem que, por sua vez, quando inter-relacionados de forma consistente e racional originam modelos do processo de  aprendizagem  e,  finalmente,  teorias de aprendizagem.
Ao professor cabe a tarefa de promover a aprendizagem através da instrução. Ele planeja a instrução, administra-a e avalia sua eficácia através da avaliação da aprendizagem do aluno. Ele é uma espécie de “gerente” da instrução, cuja tarefa é planejar, delinear, selecionar e supervisionar a organização de eventos externos com o objetivo de influenciar os processos internos de aprendizagem.
Uma vez planejada a instrução, é necessário ministrá-la ao aluno. Tanto ao planejar  como ao ministrar  a instrução (bem como ao avaliar seus resultados), o professor deve tomar muitas decisões e é

nesse sentido que pode ser visto como um “gerente” da instrução ou um organizador dos eventos externos da aprendizagem.
É importante compreender que em termos   de  teorias   ou  abordagens  ao ensino e á aprendizagem, Gagné parece situar-se entre o behaviorismo e o cognitivismo. Por outro lado, fala em estímulos, respostas, estimulação do ambiente, comportamentos, etc, mas, por outro, fala em processos internos de aprendizagem e enfatiza a importância das teorias de aprendizagem para a instrução.

TEORIA LAURO DE OLIVEIRA LIMA


“O trabalho, deixando de ser manual para ser intelectual, deixando de ser linha de produção (linear), para ser uma decisão (circular), transformar-se-á em discussão”.  (Lima, 1975).
Ora, educadores de todo o mundo, “não estamos vendo que

vai   ficar   assim?   Por   que   não começamos logo? (Lima, 1975)”.
“Educar já não é prever as necessidades sociais, mas preparar os jovens para o imprevisível” (Lima, 1975).
O educador Lauro de Oliveira Lima nasceu em Limoeiro do Norte-Ceará, em
12  de  abril  de  1921.  Suas  idéias  são muito  voltadas  para  a  tendência renovada progressista, por defender uma teoria de que o aluno é responsável pelo seu próprio conhecimento. O professor é importante no processo de crescimento do aluno, mas é aquele que ajuda o aluno a aprender, que prepara as atividades do aluno de acordo com as etapas do seu desenvolvimento. Ele valoriza os processos mentais e as habilidades cognitivas.
Tenho orgulho de escrever algo sobre  o  caminho  percorrido  por  este

educador  cearense.  Suas  idéias  a respeito da história da educação são tantas e tão importantes, que fico sem saber como organizá-las e selecioná-las. Para Oliveira, um dos grandes problemas da educação brasileira é a falta de uma didática que ajude na formação de indivíduos que desejem planejar o futuro. Em muitos dos seus livros  faz  uma  análise  critica  a educação brasileira, mas propõe soluções. A critica para ele só é importante quando é construtiva, e depende muito da maturidade de quem critica e de quem é criticado.
Mestre Zé Afonso foi sua primeira escola, que ensinava todos os meninos da cidade a ler, escrever e contar (ensinava também o Manuscrito, que era uma espécie de curso de pós-graduação, e a Tabuada Grande, a matemática superior).

Formou-se em Direito em 1949 e dois anos depois, em Filosofia. Dentre os cargos importantes que assumiu, obteve em 1945 o cargo de Inspetor Federal de Ensino do Mec. Deixou o Magistério particular para fundar o Ginásio Agapito dos   Santos   em   Fortaleza,   iniciando, assim, sua carreira como “reformador”, característica básica de atuação como educador. Escreveu nessa época a obra “Escola Secundaria Moderna”, iniciando também seu trabalho com Dinâmica de grupo e propondo o Método Psicogenético. O Método Psicogenético de Lima é estruturado a partir das descobertas cientificas de Piaget. Não se pode mais falar de desenvolvimento da inteligência sem falar das Teorias de Piaget, que teve na figura de Lauro de Oliveira Lima, durante algum período, o maior   interlocutor   dessas   idéias   no Brasil.

“Psicogenético” é o termo empregado para  descrever  a  pedagogia  criada  a partir das teorias e pesquisas piagetianas. Significa que o processo pedagógico modifica-se sucessivamente, de acordo com   o   estagio   de   desenvolvimento mental (psicogênese). O nível mental da criança  é  que  determina  como  o professor deve apresentar as situações didáticas, pois, em cada estagio do desenvolvimento a criança tem uma maneira diferente de aprender.
Lima  teve e continua  tendo um trajeto longo e dinâmico na área da educação escreveu vários livros e dentre os mais recentes podemos citar: ”Piaget: Sugestão aos educadores” (1999), “Dinâmica  de  Grupo”  (2000)  e  “Para que servem as escolas?” (1996).
Para Lauro, o principio fundamental da didática, esta centrada na concepção, de que o professor não ensina, ajuda o

aluno a aprender. O aluno irá aprender através de atividades como, pesquisas, leituras, passeios, etc, sempre bem planejadas tendo claro os objetivos a alcançar.  As atividades  devem ser grupais e orientadas pelo professor, para que todos possam construir o conhecimento na interação entre eles. “O que se aprende com alegria aprende-se melhor, de maneira mais efetiva”.
Em 1980, Lauro apresentou no primeiro congresso piagetiano no Rio de Janeiro   um   documento   que   causou muitas discussões: “Computadores, um débil mental com a velocidade da luz”.

TEORIA DE CÉLESTIN FREINET


Célestin Freinet, grande humanista nasceu no ano de 1896 em Gars, no sul da   França,   na   região   de   Proença   e morreu em 1966 na cidade de Vence, na França. Teve uma infância e juventude rural, em meio às paisagens trabalhou como pastor de rebanhos, como também desenvolveu   alguns   valores   voltados para o homem do campo. Embora tenha freqüentado uma escola considerada boa na época, era uma escola com pouco ou nenhum material didático.

Na adolescência mudou-se para Nice. Aí iniciou o seu curso de magistério,    mas    foi    interrompido com o inicio da 1ª guerra mundial em
1941. Costumava sempre dizer: “Minha  formação  como  professor não se fez só na escola normal, mas também na guerra”.
Freinet inicia em Bar-Sur-Loup suas atividades como professor, mesmo sem ter concluído o curso normal. A sala de aula sempre foi a sua paixão.
Freinet não foi um simples professor. Gostava de pesquisar, de participar de debates, sempre escrevendo artigos relacionados com educação, e buscando práticas pedagógicas                       alternativas. Seus estudos foram aprofundados e tiveram como referencia a teoria de grandes filósofos e teóricos, como o

Rousseau,       Pestalozzi,       Decroly, Dewey, Forbel e Piaget.
Freinet achava que a sala de aula não  é  um  espaço  físico  determinado pelas instituições educacionais, mas a sala de aula é qualquer espaço onde o exercício  do  pensamento  e  da criatividade esteja presente e a serviço da sociedade. Defendia a pedagogia natural, de acordo com os interesses e necessidades do aluno. Pensava que o aluno construia o seu conhecimento não apenas tendo acesso a informação, mas apropriando-se do saber, sem imobilismo ou abstração, inserindo a alegria e o prazer no processo ensino aprendizagem. Pensava  ainda  que  a  escola  devia  ser viva, ativa, dinâmica, aberta para o encontro com a vida, onde tivesse a participação da família e da comunidade. A sala de aula devia ser o local onde o aluno se revela, cria, inventa e exprime

suas vivências; era preciso respeitá-la para que pudesse desenvolver sua capacidade e sua personalidade, sem afastar-se de uma finalidade social e humana mais ampla.
Freinet, ainda pensou que a sala de aula não podia ser um casulo hermético desvinculado do todo social e das suas contradições.  A sala  de  aula  devia  ser uma oficina de trabalho, de criação e de pesquisas,   um   local   de   produção   e criação  do saber. Ele  achava  que todo trabalho educativo só tem qualidade quando os objetivos são claros. O professor não deve atuar como uma máquina, sujeitando-se a rotinas. É fundamental  a  motivação  para  o trabalho. Deve ser um facilitador que encaminha o aluno a tomar consciência do  seu  valor,  um  amigo  que  age  e aprende com os alunos. Alunos rebeldes e   apáticos   devem   ser   estimulados   a

propor   suas   idéias   nos   grandes   e pequenos grupos. Aos pouco, este tipo de aluno vai se descobrindo, com seus erros e acertos, até chegar a descoberta de uma aprendizagem significativa.
Em 1956, Freinet preocupou-se com o excesso de alunos em sala de aula, e lança neste período uma campanha nacional por 25 alunos em sala de aula. Ele tinha uma grande preocupação com turmas numerosas e heterogêneas, mas a sua pedagogia defendia a idéia de que os alunos podiam se organizar em grupos de acordo com seus interesses e em seguida serem criados momentos onde todos participassem.
A pedagogia de Freinet foi centrada na   criança   e   tem   como   princípios teóricos a:
* comunicação;
* expressão;
* afetividade;

* responsabilidade;
* sociabilidade;
* autonomia;
* criatividade;
* reflexão;
* senso cooperativo;
Freinet foi chamado pelo exército para se alistar na época da primeira guerra mundial. Nesta época sofreu ações   dos   gases   tóxicos,   ficando doente do pulmão até o final de sua vida. Mesmo sem esperança  de cura para a doença dos seus pulmões, Freinet  não  abandonou  suas pesquisas e descobertas.
Freinet foi preso em 1940 no campo de concentração de Var. Gostava tanto da profissão de professor,  que  na  mesma  época  da sua prisão, dava aula para seus companheiros de sela, e, aproveitava para fazer suas pesquisas. Após sair

da prisão, se integrou ao Movimento da Resistência Francesa. Voltou para Vence, onde recomeçou suas atividades. Nesta época, aproximadamente nos anos 50, sua pedagogia se espalhou pelo mundo, criando um movimento em prol da Escola Pública, e é isto que distingue dos    demais    pensadores    do movimento  da  Escola  Nova  na Europa.
Em 1939, Freinet é exonerado do cargo  de  professor  e  lança oficialmente sua escola com ajuda de doações,  mas  o  Ministério  da Educação recusou-se a reconhecer.
Na sua escola, ele fez varias experiências com crianças, utilizando diversas técnicas:
Aula Passeio-acreditava que o interesse da criança estava fora da escola.   Realizava   as   aulas-passeio

para  observar  aspectos  da  vida animal. Todo o seu trabalho em sala de aula era voltado para uma aprendizagem interdisciplinar, onde todas as áreas eram relacionadas com a vida cotidiana do aluno.
Texto Livre-consiste na liberdade que a criança deve ter para se expressar, não só na forma escrita, como  em  forma  de  pintura,  de desenho e até mesmo de poemas. É a criança que deve escolher a forma como quer se expressar.
Imprensa Escolar - era a técnica usada para as entrevistas, pesquisas, vivencias e aula passeio. Todo esse trabalho deveria ser coletivo.
Correção - achava fundamental a correção do texto, e, este era um processo deveria ser feito coletivamente.  Freinet  dizia  que  o

erro  deveria  ser  trabalhado,  para  se encontrar o acerto.
Livro da Vida-era uma espécie de diário, aonde as crianças iam registrando   e   expondo   suas diferentes maneiras de ver a aula e a vida. No Livro da Vida, o aluno tinha oportunidade de realizar observações como conceitos e os conteúdos se organizavam.
Fichário de Conduta - são exercícios relacionados com todas as disciplinas,   construídas coletivamente em sala de aula envolvendo  alunos e  professores. Estes  exercícios  ficam  a  disposição da criança para serem utilizados de acordo com as necessidades individuais.
Plano de Trabalho - os alunos organizavam um plano, contendo as atividades  que  seriam  desenvolvidas

durante a semana. Este plano de trabalho deveria estar coerente com o currículo escolar.
Correspondência Interescolar-é a troca de cartas, desenhos, textos, fitas, vídeos, e-mail, etc que se fazia entre  uma  classe  e  outra  de  alunos. Esta  é  uma  forma  de  aprendizagem que deve ser planejada cooperativamente entre alunos e professores.
Auto-Avaliação-o aluno deveria participar  da  sua  avaliação, utilizando fichas para seus registros pessoais, e, assim estaria acompanhando seu desempenho, e, seus erros nos trabalhos realizados.

A Ver ou Haver?


Isto não tem nada haver ou a ver com você!

O problema tem acontecido porque “haver” e “a ver” são parônimas, ou seja, apresentam sentido diferente, mas têm formas semelhantes. Ao passo que são homófonas, pois produzem o mesmo som!

Antes se dizia: Isso não tem nada que ver com você! Contudo, foi-se simplificando ainda mais com a substituição pela preposição “a”. Incorporamos o modo francês de se falar, o que parece ser um caso de eufonia, a fim de tornar o som mais agradável, mais facilitado.

Por isso, quando quiser dizer que algo não tem relação a outro, use “a ver”.

O verbo “haver” surge quando alguém precisa receber dinheiro de alguém ou recuperar algo que perdeu: Preciso haver meu dinheiro.

Use “ter a haver” no sentido de “ter a receber”.

Compare:
Jesus tem tudo a ver com as coisas que aconteceram. (As coisas que aconteceram têm relação com Jesus).

Maria não tem nada a haver. (Maria não tem nada para receber de ninguém).

O que é Sintagma?


SINTAGMA” – AINDA NÃO SABE O QUE É ISSO?

Se você é concurseiro, e ainda não sabe o que é SINTAGMA, então você precisa “acordar para a vida”!

Sabe por quê?

Simples! De 2015 a 2017, já caíram cerca de 60 questões sobre isso nas bancas INSTITUTO AOCP, FUMARC, QUADRIX, IBADE (ex-Funcab), CESPE, FUNIVERSA, FUNRIO, etc. Pode pesquisar em qualquer site questões de concursos.

Dito isto, anote aí no seu caderninho o que é SINTAGMA.

“Dentro da oração, é um conjunto de vocábulos (ou um vocábulo só) que mantêm relação direta com um núcleo, formando um grupo que constitui um termo sintático: sujeito, predicado, predicativo, objeto, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposto, vocativo.”

Existem cinco tipos de SINTAGMA, sendo o primeiro tipo o mais comum em concursos. Vejamos!

1) NOMINAL: o núcleo é sempre um termo de valor substantivo (substantivo, pronome, numeral, verbo substantivado…) e os termos ao redor do núcleo podem ser artigo, pronome, numeral, adjetivo, locuções ou orações adjetivas; esse sintagma exerce função sintática de sujeito, predicativo, objeto, aposto e vocativo. Veja os exemplos:

– “CONJUNÇÃO” é o assunto mais importante de todos!
– “Os ALUNOS do Pestana” estão preparados para fazer “todas as PROVAS”.
– Português e Matemática são “as duas MATÉRIAS que mais me causam dificuldade”.

2) ADJETIVAL: o núcleo é sempre um adjetivo e os termos ao redor do núcleo podem ser um advérbio de intensidade ou um complemento nominal exigido pelo núcleo; muitas vezes esse tipo de sintagma vem dentro dum sintagma nominal e exerce função sintática de predicativo ou adjunto adnominal. Veja o exemplo:

– Certos alunos “pouco INTELIGENTES” são “CAPAZES de surpreender-nos”.

3) VERBAL: o núcleo é sempre um verbo (ou locução verbal) e os termos ao redor (quando há) fazem parte do predicado; sempre constitui o predicado. Veja os exemplos:

– “CHOVEU demais em SP”.
– João “ESTÁ meio chateado”.
– Os candidatos “HAVIAM ENTREGADO a prova ao fiscal”.

4) ADVERBIAL: o núcleo é sempre um advérbio, que pode ser modificado por outro advérbio; exerce função sintática de adjunto adverbial. Veja o exemplo:

– “ONTEM”, ela chegou “muito CEDO”.

5) PREPOSICIONAL: o núcleo é sempre uma preposição ou uma locução prepositiva; introduz termos que exercem as seguintes funções sintáticas: predicativo, objeto indireto, complemento nominal, agente da passiva, adjunto adnominal, adjunto adverbial, aposto. Veja os exemplos:

– Gosto “DE pessoas inteligentes”.
– A casa foi incendiada “POR vândalos”.
– Recusaram “COM delicadeza” o convite.

É isso…

Você percebeu que um tipo de sintagma pode vir dentro de outro sintagma? Se não percebeu, leia novamente.

P.S.: Há alguns autores que dizem não haver um “núcleo” no sintagma preposicional. No entanto, nunca vi cair esse tipo de sintagma em concursos públicos.


TEORIA DE PESTALOZZI


Johann Heinrich Pestalozzi nasceu em Zurique, Suíça, em 1746 e faleceu em 1827. Considerado o reformador ou o promotor da escola popular. Embora a posição da pedagogia seja um pouco obscura, ele defende a ideia, de que a escola precisa simplificar os conteúdos dados e evitar a decoreba. Fundamenta a educação no respeito e no amor, como forma de reconhecer, manter e promover em cada ser a dignidade da pessoa.

Pestalozzi foi o educador que pôs em prática os princípios do empirismo que, antes dele, já começavam vagamente a influir na opinião dos professores. Se a vida mental resulta da experiência sensorial ou se, por sua influência, se desenvolve, então educar é “construir na mente do aluno uma experiência definida à luz da percepção sensorial clara”.

Pestalozzi disse está convencido de que a criança é dotada de poderes ou de faculdades inatas que só se desenvolvem mediante o enriquecimento da experiência sensorial. O emprego do método empírico no estudo dos estados mentais levou filósofos dos séculos XVII e XVIII a compreensão de que a vida mental resulta da experiência sensorial. Esse novo ponto de vista psicológico produziu também uma mudança na concepção de educação. “Educar deixou de ser treinar, disciplinar as faculdades, e assume o sentido de enriquecimento da experiência sensorial”.

Foi Pestalozzi quem pôs em prática a nova maneira de considerar o processo educativo. O esforço fundamental da educação, para Pestalozzi, que se propõe a tornar psicológica a educação, é analisar o conhecimento em qualquer ramo, nos seus elementos mais simples, e apresentá-los naturalmente a criança. Os dois aspectos característicos do processo de Pestalozzi são, portanto, começar com as experiências da criança, pela observação, para haver ideias claras, e, prosseguir por meio da instrução oral, cuidadosamente, para o conhecimento sistemático e organizado.

Em qualquer ramo, disse Pestalozzi, o ensino deve começar dos elementos mais simples e processar-se gradualmente, segundo o desenvolvimento da criança. Desta maneira, essas concepções produzem profundas mudanças na escola. Passou- se a ensinar maior número de matérias e todas elas obedeciam a uma graduação que partia da observação das coisas próximas para as remotas, sempre atendendo ao desenvolvimento do aluno. Assim o interesse do aluno seria consultado e o processo de formação devia estar associado àquilo que tem maior relação com o aluno, isto é, ao que lhe pertence, ao que existe no seu ambiente, sempre pelo emprego da intuição.

Influenciou profundamente a educação; ele fez uma grande adaptação na educação pública. Ninguém acreditou mais que Pestalozzi no poder da educação, para aperfeiçoar o individuo e a sociedade. Com o seu entusiasmo, influenciou reis e governantes a pensarem na educação do povo. Deu novo impulso à formação de professores e ao estudo da educação como ciência. Foi o primeiro a tentar fundamentar a educação no desenvolvimento orgânico, mais que a transmissão de ideias.

Em 1792, Pestalozzi escreve o seu livro mais erudito: Minhas Investigações sobre o curso da Natureza no desenvolvimento da raça humana. A obra é recebida sem entusiasmo. Pestalozzi decide ser mestre-escola; e parte para um trabalho na sua escola. O lar era para ele a melhor instituição da educação, base para a formação política, moral e religiosa. A instituição educacional deveria se aproximar de uma casa bem organizada.

A prática pedagógica de Pestalozzi, sempre valorizou o ideal do educador, isto é, a educação poderia mudar a terrível condição de vida do povo.

Tinha uma fé indomável e contagiante na educação como o meio supremo para o aperfeiçoamento individual e social. Democratizou a educação, proclamando ser o direito absoluto de toda a criança, ter plenamente desenvolvidos os poderes que Deus lhe havia dado. O professor é comparado ao jardineiro que providencia as condições para a planta crescer; a educação sensorial é fundamental e os sentidos devem estar em contato direto com os objetos; a mente é ativa. Na escola de Pestalozzi,  mestres e alunos ficavam juntos o dia todo. No dia escolar, as atividades eram bem diversificadas: rezavam, tomavam banho, faziam o desjejum, brincavam, estudavam as lições, almoçavam, lançavam. Duas tardes por semana, os alunos faziam excursões em locais culturais.

No livro, Os Grandes Pedagogos - atualidades pedagógicas, destacamos algumas passagens que explicam o quanto Pestalozzi era envolvido com a educação:

“...renunciei  aos prazeres da vida para consagrar-me à tentativa de educação do povo, e aprendi a conhecer-lhe a verdadeira situação e os meios de mudá-la” (pág 214);
“aperfeiçôo-me a mim mesmo, quando faço, aquilo que devo. A lei do que quero” (pág 215);
“Como produto do meu próprio eu, sinto-me independente do egoísmo de minha natureza animal e dos laços de minhas relações sociais, tendo a um tempo, o direito e o dever de fazer o que me enobrece e o que é vantajoso para meus semelhantes” (pág 215);
“... minha ação tende a elevar a natureza humana ao que ela tem de mais alto, de mais nobre: a elevá-la pelo amor, e não é senão nessa força sagrada, o amor, que reconheço o instrumento de libertação do homem, de  tudo quanto há nele de divino e de eterno” (pág 223).

TEORIA DE LEV VIGOTSKY


Vigotsky, psicólogo, nasceu na Rússia  em 1896 e morreu em 1934 com apenas 37 anos, vítima de tuberculose. Estudou na Universidade Popular de Shanyavoskii, formando-se em direito, mas também se dedicou aos estudos intelectuais de Filosofia, Literatura, História e Psicologia.

Estudou Francês, Alemão, Inglês, Hebraico, Latim e Grego. Teve um tutor particular até entrar na escola, para fazer o curso secundário, graduando-se com medalha de ouro. Desde adolescente, seus colegas o chamavam de “o pequeno professor”, pois ele já gostava dos estudos intelectuais que marcariam sua vida.

Foi  professor  e  pesquisador  no campo de Defectologia, das Artes, Literatura e Psicologia. Além do fato de ser professor, a preocupação de Vigotsky com a educação tinha também motivos políticos, pois era um de seus compromissos revolucionários. Formou-se também em Medicina e a partir de 1924, no Instituto Soviético de Medicina Experimental, aprofundou suas investigações na Psicologia.

Já tuberculoso, iniciou um período de intensa produção de conferências, textos e pesquisas, principalmente com crianças portadoras de deficiências visuais e auditivas. Trabalhou no Instituto de Psicologia de Moscou, onde iniciou um período de intensa produção de textos e pesquisas a respeito do desenvolvimento intelectual, defendendo que todo conhecimento é constituído socialmente, a partir das relações humanas. Dono de uma inteligência brilhante, ele buscou na Psicologia respostas para suas dúvidas e acabou por elaborar uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que todo conhecimento é construído socialmente, no âmbito das relações humanas. Para ele, “na ausência do outro, o homem não se constrói homem”.

Na sua teoria, Vigotsky diz que para o homem se desenvolver e evoluir, é necessário o convívio com outras pessoas, e partir daí, ele vai adquirir e assimilar conhecimentos, desenvolvendo-se mentalmente. Acrescenta que a vivencia em sociedade é essencial para a transformação do homem de ser biológico em ser humano. É pela aprendizagem nas relações com os outros que construímos os conhecimentos que permitem nosso desenvolvimento mental. O conhecimento é sempre intermediado. Nenhum conhecimento é construído pela pessoa sozinha, mas sim em parceria com as outras, que são os mediadores. Na escola, o professor e os colegas mais experientes são os principais mediadores, daí ser o objetivo da escola transformar os conceitos espontâneos, que a criança desenvolve na convivência social, em conceitos científicos.

A linguagem é para  Vigotsky, o principal instrumento de intermediação do conhecimento entre os seres humanos, e tem relação direta com o próprio desenvolvimento psicológico. Para ele, a aprendizagem está relacionada ao desenvolvimento desde o inicio da vida humana e inclui relações entre os indivíduos. A relação ensino-aprendizagem é um processo global de relação interpessoal que envolve alguém que aprende, alguém que ensina, e a escola é o lugar por excelência na qual o processo intencional ensino-aprendizagem ocorre, podendo envolver intervenção que conduza á aprendizagem.

Vigotsky elaborou uma teoria do desenvolvimento intelectual, sustentando que nenhum conhecimento pode ser elaborado sozinho, criou o Sócio-construtivismo, ou como preferem alguns especialistas, Sócio-interacionismo, justificando como fundamental à questão cultural e à questão afetiva. Para o ser humano, o meio é sempre revestido de significados culturais. O fator cultural é a diferença central entre os dois teóricos, Piaget e Vigotsky.

Considera a capacidade do homem de raciocinar, como também de sensibilizar-se e se emocionar. Dessa forma, um sistema dinâmico de significados em que o afetivo e o intelectual se unem, buscando compreender o sujeito como uma totalidade. Acreditava que o desenvolvimento mental do aluno se determina em dois níveis: O nível de Desenvolvimento afetivo e a Área de Desenvolvimento Potencial.

Vigotsky viveu apenas 37 anos, mas sua produção intelectual foi intensa e relevante, chegando a produzir 200 estudos científicos sobre diferentes temas, controvérsias e discussões da psicologia contemporânea, da pedagogia e das ciências humanas de um modo geral.

Prefaciou a tradução russa de A Linguagem e o Pensamento da Criança de Jean Piaget em 1923. Para a Pedagogia, a contribuição de suas obras para nós educadores se reveste de grande importância, porque traz para o campo educacional uma visão integrada de conhecimentos.

Carta de Pero Vaz de Caminha


Senhor:

Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que ora nesta navegação se achou, não deixarei também de dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que -- para o bem contar e falar -- o saiba pior que todos fazer.
Tome Vossa Alteza, porém, minha ignorância por boa vontade, e creia bem por certo que, para aformosear nem afear, não porei aqui mais do que aquilo que vi e me pareceu.
Da marinhagem e singraduras do caminho não darei aqui conta a Vossa Alteza, porque o não saberei fazer, e os pilotos devem ter esse cuidado. Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:
A partida de Belém, como Vossa Alteza sabe, foi segunda-feira, 9 de março. Sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos entre as Canárias, mais perto da Grã- Canária, e ali andamos todo aquele dia em calma, à vista delas, obra de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, às dez horas, pouco mais ou menos, houvemos vista das ilhas de Cabo Verde, ou melhor, da ilha de S. Nicolau, segundo o dito de Pero Escolar, piloto.
Na noite seguinte, segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com sua nau, sem haver tempo forte nem contrário para que tal acontecesse. Fez o capitão suas diligências para o achar, a uma e outra parte, mas não apareceu mais!
E assim seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram 21 dias de abril, estando da dita Ilha obra de 660 ou 670 léguas, segundo os pilotos diziam, topamos alguns sinais de terra, os quais eram muita quantidade de ervas compridas, a que os mareantes chamam botelho, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. E quarta-feira seguinte, pela manhã, topamos aves a que chamam fura-buxos.
Neste dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul dele; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs nome  o Monte Pascoal e à terra – a Terra da Vera Cruz.

Mandou lançar o prumo. Acharam vinte e cinco braças; e ao sol posto, obra de seis léguas da terra, surgimos âncoras, em dezenove braças -- ancoragem limpa. Ali permanecemos toda aquela noite. E à quinta-feira, pela manhã, fizemos vela e seguimos em direitos à terra, indo os navios pequenos diante, por dezessete, dezesseis, quinze, catorze, treze, doze, dez e nove braças, até meia légua da terra, onde todos lançamos âncoras em frente à boca de um rio. E chegaríamos a esta ancoragem às dez horas pouco mais ou menos.
Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos, por chegarem primeiro.
Então lançamos fora os batéis e esquifes, e vieram logo todos os capitães das naus a esta nau do Capitão-mor, onde falaram entre si.
E o Capitão-mor mandou em terra no batel a Nicolau Coelho para ver aquele rio. E tanto que ele começou de ir para lá, acudiram pela praia homens, quando aos dois, quando aos três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali havia dezoito ou vinte homens.
Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Vinham todos rijos sobre o batel; e Nicolau Coelho lhes fez sinal que pousassem os arcos. E eles os pousaram.
Ali não pôde deles haver fala, nem entendimento de proveito, por o mar quebrar na costa. Somente deu-lhes um barrete vermelho e uma carapuça de linho que levava na cabeça e um sombreiro preto. Um deles deu-lhe um sombreiro de penas de ave, compridas, com uma copazinha de penas vermelhas e pardas como de papagaio; e outro deu-lhe um ramal grande de continhas brancas, miúdas, que querem parecer de aljaveira, as quais peças creio que o Capitão manda a Vossa Alteza, e com isto se volveu às naus por ser tarde e não poder haver deles mais fala, por causa do mar.
Na noite seguinte, ventou tanto sueste com chuvaceiros que fez caçar as naus, e especialmente a capitânia. E sexta pela manhã, às oito horas, pouco mais ou menos, por conselho dos pilotos, mandou o Capitão levantar âncoras e fazer vela; e fomos ao longo da costa, com os batéis e esquifes amarrados à popa na direção do norte, para ver se achávamos alguma abrigada e bom pouso, onde nos demorássemos, para tomar água e lenha. Não que nos minguasse, mas por aqui nos acertarmos.
Quando fizemos vela, estariam já na praia assentados perto do rio obra de sessenta ou setenta homens que se haviam juntado ali poucos e poucos. Fomos de longo, e mandou o Capitão aos navios pequenos que seguissem mais chegados à terra e, se achassem pouso seguro para as naus, que amainassem.
E, velejando nós pela costa, obra de dez léguas do sítio donde tínhamos levantado ferro, acharam os ditos navios pequenos um recife com um porto dentro, muito bom e muito seguro, com uma mui larga entrada. E meteram-se dentro e amainaram. As naus arribaram sobre eles; e um pouco antes do sol posto amainaram também, obra de uma légua do recife, e ancoraram em onze braças.
E estando Afonso Lopes, nosso piloto, em um daqueles navios pequenos, por mandado do Capitão, por ser homem vivo e destro para isso, meteu-se logo no esquife a sondar o porto dentro; e tomou dois daqueles homens da terra, mancebos e de bons corpos, que estavam numa almadia. Um deles trazia um arco e seis ou sete setas; e na praia andavam muitos com seus arcos e setas; mas de nada lhes serviram. Trouxe-os logo, já de noite, ao Capitão, em cuja nau foram recebidos com muito prazer e festa.
A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, de comprimento duma mão travessa, da grossura dum fuso de algodão, agudos na ponta como um furador. Metem-nos pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica entre o beiço e os dentes é feita como roque de xadrez, ali encaixado de tal sorte que não os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.
Os cabelos seus são corredios. E andavam tosquiados, de tosquia alta, mais que de sobrepente, de boa grandura e rapados até por cima das orelhas. E um deles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte para detrás, uma espécie de cabeleira de penas de ave amarelas, que seria do comprimento de um coto, mui basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena e pena, com uma confeição branda como cera (mas não o era), de maneira que a cabeleira ficava mui redonda e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais lavagem para a levantar.
O Capitão, quando eles vieram, estava sentado em uma cadeira, bem vestido, com um colar de ouro mui grande ao pescoço, e aos pés uma alcatifa por estrado. Sancho de Tovar, Simão de Miranda, Nicolau Coelho, Aires Correia, e nós outros que aqui na nau com ele vamos, sentados no chão, pela alcatifa. Acenderam-se tochas. Entraram. Mas não fizeram sinal de cortesia, nem de falar ao Capitão nem a ninguém. Porém um deles pôs olho no colar do Capitão, e começou de acenar com a mão para a terra e depois para o colar, como que nos dizendo que ali havia ouro. Também olhou para um castiçal de prata e assim mesmo acenava para a terra e novamente para o castiçal como se lá também houvesse prata.
Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo; tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como quem diz que os havia ali. Mostraram-lhes um carneiro: não fizeram caso. Mostraram-lhes uma galinha, quase tiveram medo dela: não lhe queriam pôr a mão; e depois a tomaram como que espantados.
Deram-lhes ali de comer: pão e peixe cozido, confeitos, fartéis, mel e figos passados. Não quiseram comer quase nada daquilo; e, se alguma coisa provaram, logo a lançaram fora.
Trouxeram-lhes vinho numa taça; mal lhe puseram a boca; não gostaram nada, nem quiseram mais. Trouxeram-lhes a água em uma albarrada. Não beberam. Mal a tomaram na boca, que lavaram, e logo a lançaram fora.
Viu um deles umas contas de rosário, brancas; acenou que lhas dessem, folgou muito com elas, e lançou-as ao pescoço. Depois tirou-as e enrolou-as no braço e acenava para a terra e de novo para as contas e para o colar do Capitão, como dizendo que dariam ouro por aquilo.
Isto tomávamos nós assim por assim o desejarmos. Mas se ele queria dizer que levaria as contas e mais o colar, isto não o queríamos nós entender, porque não lho havíamos de dar. E depois tornou as contas a quem lhas dera.
Então estiraram-se de costas na alcatifa, a dormir, sem buscarem maneira de cobrirem suas vergonhas, as quais não eram fanadas; e as cabeleiras delas estavam bem rapadas e feitas. O Capitão lhes mandou pôr por baixo das cabeças seus coxins; e o da cabeleira esforçava-se por não a quebrar. E lançaram-lhes um manto por cima; e eles consentiram, quedaram-se e dormiram.
Ao sábado pela manhã mandou o Capitão fazer vela, e fomos demandar a entrada, a qual era mui larga e alta de seis a sete braças. Entraram todas as naus dentro; e ancoraram em cinco ou seis braças – ancoragem dentro tão grande, tão formosa e tão segura, que podem abrigar-se nela mais de duzentos navios e naus. E tanto que as naus quedaram ancoradas, todos os capitães vieram a esta nau do Capitão-mor. E daqui mandou o Capitão a Nicolau Coelho e Bartolomeu Dias que fossem em terra e levassem aqueles dois homens e os deixassem ir com seu arco e setas, e isto depois que fez dar a cada um sua camisa nova, sua carapuça vermelha e um rosário de contas brancas de osso, que eles levaram nos braços, seus cascavéis e suas campainhas. E mandou com eles, para lá ficar, um mancebo degredado, criado de D. João Telo, a que chamam Afonso Ribeiro, para lá andar com eles e saber de seu viver e maneiras. E a mim mandou que fosse com Nicolau Coelho.
Fomos assim de frecha direitos à praia. Ali acudiram logo obra de duzentos homens, todos nus, e com arcos e setas nas mãos. Aqueles que nós levávamos acenaram-lhes que se afastassem e pousassem os arcos; e eles os pousaram, mas não se afastaram muito. E mal pousaram os arcos, logo saíram os que nós levávamos, e o mancebo degredado com eles. E saídos não pararam mais; nem esperavam um pelo outro, mas antes corriam a quem mais corria. E passaram um rio que por ali corre, de água doce, de muita água que lhes dava pela braga; e outros muitos com eles. E foram assim correndo, além do rio, entre umas moitas de palmas onde estavam outros. Ali pararam. Entretanto foi-se o degredado com um homem que, logo ao sair do batel, o agasalhou e o levou até lá. Mas logo tornaram a nós; e com ele vieram os outros que nós leváramos, os quais vinham já nus e sem carapuças.
Então se começaram de chegar muitos. Entravam pela beira do mar para os batéis, até que mais não podiam; traziam cabaços de água, e tomavam alguns barris que nós levávamos: enchiam-nos de água e traziam-nos aos batéis. Não que eles de todos chegassem à borda do batel. Mas junto a ele, lançavam os barris que nós tomávamos; e pediam que lhes dessem alguma coisa. Levava Nicolau Coelho cascavéis e manilhas. E a uns dava um cascavel, a outros uma manilha, de maneira que com aquele engodo quase nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que homem lhes queria dar.
Dali se partiram os outros dois mancebos, que os não vimos mais.
Muitos deles ou quase a maior parte dos que andavam ali traziam aqueles bicos de osso nos beiços. E alguns, que andavam sem eles, tinham os beiços furados e nos buracos uns espelhos de pau, que pareciam espelhos de borracha; outros traziam três daqueles bicos, a saber, um no meio e os dois nos cabos. Aí andavam outros, quartejados de cores, a saber, metade deles da sua própria cor, e metade de tintura preta, a modos de azulada; e outros quartejados de escaques. Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e
suas vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha.
Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles, por a barbaria deles ser tamanha, que se não entendia nem ouvia ninguém.
Acenamos-lhes que se fossem; assim o fizeram e passaram-se além do rio. Saíram três ou quatro homens nossos dos batéis, e encheram não sei quantos barris de água que nós levávamos e tornamo-nos às naus. Mas quando assim vínhamos, acenaram-nos que tornássemos. Tornamos e eles mandaram o degredado e não quiseram que ficasse lá com eles. Este levava uma bacia pequena e duas ou três carapuças vermelhas para lá as dar ao senhor, se o lá houvesse. Não cuidaram de lhe tomar nada, antes o mandaram com tudo. Mas então Bartolomeu Dias o fez outra vez tornar, ordenando que lhes desse aquilo. E ele tornou e o deu , à vista de nós, àquele que da primeira vez agasalhara. Logo voltou e nós trouxemo-lo.
Esse que o agasalhou era já de idade, e andava por louçainha todo cheio de penas, pegadas pelo corpo, que parecia asseteado como S. Sebastião. Outros traziam carapuças de penas amarelas; outros, de vermelhas; e outros de verdes. E uma daquelas moças era toda tingida, de baixo a cima daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera vergonha, por não terem a sua como ela. Nenhum deles era fanado, mas, todos assim como nós. E com isto nos tornamos e eles foram-se.
À tarde saiu o Capitão-mor em seu batel com todos nós outros e com os outros capitães das naus em seus batéis a folgar pela baía, em frente da praia. Mas ninguém saiu em terra, porque o Capitão o não quis, sem embargo de ninguém nela estar. Somente saiu -- ele com todos nós -- em um ilhéu grande, que na baía está e que na baixa-mar fica mui vazio. Porém é por toda a parte cercado de água, de sorte que ninguém lá pode ir, a não ser de barco ou a nado. Ali folgou ele e todos nós outros, bem uma hora e meia. E alguns marinheiros, que ali andavam com um chinchorro, pescaram peixe miúdo, não muito. Então volvemo-nos às naus, já bem de noite.
Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar um esperavel, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre frei Henrique, em voz entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes, que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente, pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço. E alguns deles se metiam em almadias -- duas ou três que aí tinham -- as quais não são feitas como as que eu já vi; somente são três traves, atadas entre si. E ali se metiam quatro ou cinco, ou esses que queriam não se afastando quase nada da terra, senão enquanto podiam tomar pé.
Acabada a pregação, voltou o Capitão, com todos nós, para os batéis, com nossa bandeira alta. Embarcamos e fomos todos em direção à terra para passarmos ao longo por onde eles estavam, indo, na dianteira, por ordem do Capitão, Bartolomeu Dias em seu esquife, com um pau de uma almadia que lhes o mar levara, para lho dar; e nós todos, obra de tiro de pedra, atrás dele.
Como viram o esquife de Bartolomeu Dias, chegaram-se logo todos à água, metendo-se nela até onde mais podiam. Acenaram-lhes que pousassem os arcos; e muitos deles os iam logo pôr em terra; e outros não.
Andava aí um que falava muito aos outros que se afastassem, mas não que a mim me parecesse que lhe tinham acatamento ou medo. Este que os assim andava afastando trazia seu arco e setas, e andava tinto de tintura vermelha pelos peitos, espáduas, quadris, coxas e pernas até baixo, mas os vazios com a barriga e estômago eram de sua própria cor. E a tintura era assim vermelha que a água a não comia nem desfazia, antes, quando saía da água, parecia mais vermelha.
Saiu um homem do esquife de Bartolomeu Dias e andava entre eles, sem implicarem nada com ele para fazer-lhe mal. Antes lhe davam cabaças de água, e acenavam aos do esquife que saíssem em terra.
Com isto se volveu Bartolomeu Dias ao Capitão; e viemo-nos às naus, a comer, tangendo gaitas e trombetas, sem lhes dar mais opressão. E eles tornaram-se a assentar na praia e assim por então ficaram.
Neste ilhéu, onde fomos ouvir missa e pregação, a água espraia muito, deixando muita areia e muito cascalho a descoberto. Enquanto aí estávamos, foram alguns buscar marisco e apenas acharam alguns camarões grossos e curtos, entre os quais vinha um tão grande e tão grosso, como em nenhum tempo vi tamanho. Também acharam cascas de berbigões e amêijoas, mas não toparam com nenhuma peça inteira.
E tanto que comemos, vieram logo todos os capitães a esta nau, por ordem do Capitão-mor, com os quais ele se apartou, e eu na companhia. E perguntou a todos se nos parecia bem mandar a nova do achamento desta terra a Vossa Alteza pelo navio dos mantimentos, para a melhor a mandar descobrir e saber dela mais do que nós agora podíamos saber, por irmos de nossa viagem.
E entre muitas falas que no caso se fizeram, foi por todos ou a maior parte dito que seria muito bem. E nisto concluíram. E tanto que a conclusão foi tomada, perguntou mais se lhes parecia bem tomar aqui por força um par destes homens para os mandar a Vossa Alteza, deixando aqui por eles outros dois destes degredados.
Sobre isto acordaram que não era necessário tomar por força homens, porque era geral costume dos que assim levavam por força para alguma parte dizerem que há ali de tudo quanto lhes perguntam; e que melhor e muito melhor informação da terra dariam dois homens destes degredados que aqui deixassem, do que eles dariam se os levassem, por ser gente que ninguém entende. Nem eles tão cedo aprenderiam a falar para o saberem tão bem dizer que muito melhor estoutros o não digam, quando Vossa Alteza cá mandar.
E que, portanto, não cuidassem de aqui tomar ninguém por força nem de fazer escândalo, para de todo mais os amansar e apacificar, senão somente deixar aqui os dois degredados, quando daqui partíssemos.
E assim, por melhor a todos parecer, ficou determinado.
Acabado isto, disse o Capitão que fôssemos nos batéis em terra e ver-se-ia bem como era o rio, e também para folgarmos.
Fomos todos nos batéis em terra, armados e a bandeira conosco. Eles andavam ali na praia, à boca do rio, para onde nós íamos; e, antes que chegássemos, pelo ensino que dantes tinham, puseram todos os arcos, e acenavam que saíssemos. Mas, tanto que os batéis puseram as proas em terra, passaram-se logo todos além do rio, o qual não é mais largo que um jogo de mancal. E mal desembarcamos, alguns dos nossos passaram logo o rio, e meteram-se entre eles. Alguns aguardavam; outros afastavam-se. Era, porém, a coisa de maneira que todos andavam misturados. Eles ofereciam desses arcos com suas setas por sombreiros e carapuças de linho ou por qualquer coisa que lhes davam.
Passaram além tantos dos nossos, e andavam assim misturados com eles, que eles se esquivavam e afastavam-se. E deles alguns iam-se para cima onde outros estavam.
Então o Capitão fez que dois homens o tomassem ao colo, passou o rio, e fez tornar a todos.
A gente que ali estava não seria mais que a costumada. E tanto que o Capitão fez tornar a todos, vieram a ele alguns daqueles, não porque o conhecessem por Senhor, pois me parece que não entendem, nem tomavam disso conhecimento, mas porque a gente nossa passava já para aquém do rio.
Ali falavam e traziam muitos arcos e continhas daquelas já ditas, e resgatavam-nas por qualquer coisa, em tal maneira que os nossos trouxeram dali para as naus muitos arcos e setas e contas.
Então tornou-se o Capitão aquém do rio, e logo acudiram muitos à beira dele.
Ali veríeis galantes, pintados de preto e vermelho, e quartejados, assim nos corpos, como nas pernas, que, certo, pareciam bem assim.
Também andavam, entre eles, quatro ou cinco mulheres moças, nuas como eles, que não pareciam mal. Entre elas andava uma com uma coxa, do joelho até o quadril, e a nádega, toda tinta daquela tintura preta; e o resto, tudo da sua própria cor. Outra trazia ambos os joelhos, com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas e com tanta inocência descobertas, que nisso não havia nenhuma vergonha.
Também andava aí outra mulher moça com um menino ou menina ao colo, atado com um pano (não sei de quê) aos peitos, de modo que apenas as perninhas lhe apareciam. Mas as pernas da mãe e o resto não traziam pano algum.
Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava, enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o entender, nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro, que nós desejávamos saber se na terra havia.
Trazia este velho o beiço tão furado, que lhe caberia pelo furo um grande dedo polegar, e metida nele uma pedra verde, ruim, que cerrava por fora esse buraco. O Capitão lha fez tirar. E ele não sei que diabo falava e ia com ela direito ao Capitão, para lha meter na boca. Estivemos sobre isso rindo um pouco; e então enfadou-se o Capitão e deixou-o. E um dos nossos deu-lhe pela pedra um sombreiro velho, não por ela valer alguma coisa, mas por amostra. Depois houve-a o Capitão, segundo creio, para, com as outras coisas, a mandar a Vossa Alteza.
Andamos por aí vendo a ribeira, a qual é de muita água e muito boa. Ao longo dela há muitas palmas, não muito altas, em que há muito bons palmitos. Colhemos e comemos deles muitos.
Então tornou-se o Capitão para baixo para a boca do rio, onde havíamos desembarcado.
Além do rio, andavam muitos deles dançando e folgando, uns diante dos outros, sem se tomarem pelas mãos. E faziam-no bem. Passou-se então além do rio Diogo Dias, almoxarife que foi de Sacavém, que é homem gracioso e de prazer; e levou consigo um gaiteiro nosso com sua gaita. E meteu-se com eles a dançar, tomando-os pelas mãos; e eles
folgavam e riam, e andavam com ele muito bem ao som da gaita. Depois de dançarem, fez-lhes ali, andando no chão, muitas voltas ligeiras, e salto real, de que eles se espantavam e riam e folgavam muito. E conquanto com aquilo muito os segurou e afagou, tomavam logo uma esquiveza como de animais monteses, e foram-se para cima.
E então o Capitão passou o rio com todos nós outros, e fomos pela praia de longo, indo os batéis, assim, rente da terra. Fomos até uma lagoa grande de água doce, que está junto com a praia, porque toda aquela ribeira do mar é apaulada por cima e sai a água por muitos lugares.
E depois de passarmos o rio, foram uns sete ou oito deles andar entre os marinheiros que se recolhiam aos batéis. E levaram dali um tubarão, que Bartolomeu Dias matou, lhes levou e lançou na praia.
Bastará dizer-vos que até aqui, como quer que eles um pouco se amansassem, logo duma mão para outra se esquivavam, como pardais, do cevadoiro. Homem não lhes ousa falar de rijo para não se esquivarem mais; e tudo se passa como eles querem, para os bem amansar.
O Capitão ao velho, com quem falou, deu uma carapuça vermelha. E com toda a fala que entre ambos se passou e com a carapuça que lhe deu, tanto que se apartou e começou de passar o rio, foi-se logo recatando e não quis mais tornar de lá para aquém.
Os outros dois, que o Capitão teve nas naus, a que deu o que já disse, nunca mais aqui apareceram – do que tiro ser gente bestial, de pouco saber e por isso tão esquiva. Porém e com tudo isso andam muito bem curados e muito limpos. E naquilo me parece ainda mais que são como aves ou alimárias monteses, às quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que às mansas, porque os corpos seus são tão limpos, tão gordos e tão formosos, que não pode mais ser.
Isto me faz presumir que não têm casas nem moradas a que se acolham, e o ar, a que se criam, os faz tais. Nem nós ainda até agora vimos nenhuma casa ou maneira delas.
Mandou o Capitão aquele degredado Afonso Ribeiro, que se fosse outra vez com eles. Ele foi e andou lá um bom pedaço, mas à tarde tornou-se, que o fizeram eles vir e não o quiseram lá consentir. E deram-lhe arcos e setas; e não lhe tomaram nenhuma coisa do seu. Antes – disse ele – que um lhe tomara umas continhas amarelas, que levava, e fugia com elas, e ele se queixou e os outros foram logo após, e lhas tomaram e tornaram-lhas a dar; e então mandaram-no vir. Disse que não vira lá entre eles senão umas choupaninhas de rama verde e de fetos muito grandes, como de Entre Douro e Minho.
E assim nos tornamos às naus, já quase noite, a dormir.
À segunda-feira, depois de comer, saímos todos em terra a tomar água. Ali vieram então muitos, mas não tantos como as outras vezes. Já muito poucos traziam arcos. Estiveram assim um pouco afastados de nós; e depois pouco a pouco misturaram-se conosco. Abraçavam-nos e folgavam. E alguns deles se esquivavam logo. Ali davam alguns arcos por folhas de papel e por alguma carapucinha velha ou por qualquer coisa. Em tal maneira isto se passou, que bem vinte ou trinta pessoas das nossas se foram com eles, onde outros muitos estavam com moças e mulheres. E trouxeram de lá muitos arcos e barretes de penas de aves, deles verdes e deles amarelos, dos quais, creio, o Capitão há de mandar amostra a Vossa Alteza.
E, segundo diziam esses que lá foram, folgavam com eles. Neste dia os vimos mais de perto e mais à nossa vontade, por andarmos quase todos misturados. Ali, alguns andavam daquelas tinturas quartejados; outros de metades; outros de tanta feição, como em panos de armar, e todos com os beiços furados, e muitos com os ossos neles, e outros sem ossos.
Alguns traziam uns ouriços verdes, de árvores, que, na cor, queriam parecer de castanheiros, embora mais pequenos. E eram cheios duns grãos vermelhos pequenos, que, esmagando-os entre os dedos, faziam tintura muito vermelha, de que eles andavam tintos. E quanto mais se molhavam, tanto mais vermelhos ficavam.
Todos andam rapados até cima das orelhas; e assim as sobrancelhas e pestanas.
Trazem todos as testas, de fonte a fonte, tintas da tintura preta, que parece uma fita preta, da largura de dois dedos.
E o Capitão mandou aquele degredado Afonso Ribeiro e a outros dois degredados, que fossem lá andar entre eles; e assim a Diogo Dias, por ser homem ledo, com que eles folgavam. Aos degredados mandou que ficassem lá esta noite.
Foram-se lá todos, e andaram entre eles. E, segundo eles diziam, foram bem uma légua e meia a uma povoação, em que haveria nove ou dez casas, as quais eram tão compridas, cada uma, como esta nau capitânia. Eram de madeira, e das ilhargas de tábuas, e cobertas de palha, de razoada altura; todas duma só peça, sem nenhum repartimento, tinham dentro muitos esteios; e, de esteio a esteio, uma rede atada pelos cabos, alta, em que dormiam. Debaixo, para se aquentarem, faziam seus fogos. E tinha cada casa duas portas pequenas, uma num cabo, e outra no outro.
Diziam que em cada casa se recolhiam trinta ou quarenta pessoas, e que assim os achavam; e que lhes davam de comer daquela vianda, que eles tinham, a saber, muito inhame e outras sementes, que na terra há e eles comem. Mas, quando se fez tarde fizeram-nos logo tornar a todos e não quiseram que lá ficasse nenhum. Ainda, segundo diziam, queriam vir com eles.
Resgataram lá por cascavéis e por outras coisinhas de pouco valor, que levavam, papagaios vermelhos, muito grandes e formosos, e dois verdes pequeninos e carapuças de penas verdes, e um pano de penas de muitas cores, maneira de tecido assaz formoso, segundo Vossa Alteza todas estas coisas verá, porque o Capitão vo-las há de mandar, segundo ele disse.
E com isto vieram; e nós tornámo-nos às naus.
À terça-feira, depois de comer, fomos em terra dar guarda de lenha e lavar roupa.
Estavam na praia, quando chegamos, obra de sessenta ou setenta sem arcos e sem nada. Tanto que chegamos, vieram logo para nós, sem se esquivarem. Depois acudiram muitos, que seriam bem duzentos, todos sem arcos; e misturaram-se todos tanto conosco que alguns nos ajudavam a acarretar lenha e a meter nos batéis. E lutavam com os nossos e tomavam muito prazer.
Enquanto cortávamos a lenha, faziam dois carpinteiros uma grande Cruz, dum pau, que ontem para isso se cortou.
Muitos deles vinham ali estar com os carpinteiros. E creio que o faziam mais por verem a ferramenta de ferro com que a faziam, do que por verem a Cruz, porque eles não tem coisa que de ferro seja, e cortam sua madeira e paus com pedras feitas como cunhas, metidas em um pau entre duas talas, mui bem atadas e por tal maneira que andam fortes, segundo diziam os homens, que ontem a suas casas foram, porque lhas viram lá.
Era já a conversação deles conosco tanta, que quase nos estorvavam no que havíamos de fazer.
O Capitão mandou a dois degredados e a Diogo Dias que fossem lá à aldeia (e aoutras, se houvessem novas delas) e que, em toda a maneira, não viessem dormir às naus, ainda que eles os mandassem. E assim se foram.
Enquanto andávamos nessa mata a cortar lenha, atravessavam alguns papagaios por essas árvores, deles verdes e outros pardos, grandes e pequenos, de maneira que me parece que haverá muitos nesta terra. Porém eu não veria mais que até nove ou dez. Outras aves então não vimos, somente algumas pombas-seixas, e pareceram-me bastante maiores que as de Portugal. Alguns diziam que viram rolas; eu não as vi. Mas, segundo os arvoredos são mui muitos e grandes, e de infindas maneiras, não duvido que por esse sertão haja muitas aves!
Cerca da noite nos volvemos para as naus com nossa lenha.
Eu creio, Senhor, que ainda não dei conta aqui a Vossa Alteza da feição de seus arcos e setas. Os arcos são pretos e compridos, as setas também compridas e os ferros delas de canas aparadas, segundo Vossa Alteza verá por alguns que – eu creio -- o Capitão a Ela há de enviar.
À quarta-feira não fomos em terra, porque o Capitão andou todo o dia no navio dos mantimentos a despejá-lo e fazer levar às naus isso que cada uma podia levar. Eles acudiram à praia; muitos, segundo das naus vimos. No dizer de Sancho de Tovar, que lá foi, seriam obra de trezentos.
Diogo Dias e Afonso Ribeiro, o degredado, aos quais o Capitão ontem mandou que em toda maneira lá dormissem, volveram-se, já de noite, por eles não quererem que lá ficassem. Trouxeram papagaios verdes e outras aves pretas, quase como pegas, a não ser que tinham o bico branco e os rabos curtos.
Quando Sancho de Tovar se recolheu à nau, queriam vir com ele alguns, mas ele não quis senão dois mancebos dispostos e homens de prol. Mandou-os essa noite mui bem pensar e curar. Comeram toda a vianda que lhes deram; e mandou fazer-lhes cama de lençóis, segundo ele disse. Dormiram e folgaram aquela noite.
E assim não houve mais este dia que para escrever seja.
À quinta-feira, derradeiro de abril, comemos logo, quase pela manhã, e fomos em terra por mais lenha e água. E, em querendo o Capitão sair desta nau, chegou Sancho de Tovar com seus dois hóspedes. E por ele ainda não ter comido, puseram-lhe toalhas. Trouxeram-lhe vianda e comeu. Aos hóspedes, sentaram cada um em sua cadeira. E de tudo o que lhes deram comeram mui bem, especialmente lacão cozido, frio, e arroz.
Não lhes deram vinho, por Sancho de Tovar dizer que o não bebiam bem.
Acabado o comer, metemo-nos todos no batel e eles conosco. Deu um grumete a um deles uma armadura grande de porco montês, bem revolta. Tanto que a tomou, meteu-a logo no beiço, e, porque se lhe não queria segurar, deram-lhe uma pequena de cera vermelha. E ele ajeitou-lhe seu adereço detrás para ficar segura, e meteu-a no beiço, assim revolta para cima. E vinha tão contente com ela, como se tivesse uma grande jóia. E tanto que saímos em terra, foi-se logo com ela, e não apareceu mais aí.
Andariam na praia, quando saímos, oito ou dez deles; e de aí a pouco começaram a vir mais. E parece-me que viriam, este dia, à praia quatrocentos ou quatrocentos e cinqüenta.
Traziam alguns deles arcos e setas, que todos trocaram por carapuças ou por qualquer coisa que lhes davam. Comiam conosco do que lhes dávamos. Bebiam alguns deles vinho; outros o não podiam beber. Mas parece-me, que se lho avezarem, o beberão de boa vontade.
Andavam todos tão dispostos, tão bem-feitos e galantes com suas tinturas, que pareciam bem. Acarretavam dessa lenha, quanta podiam, com mui boa vontade, e levavam-na aos batéis.
Andavam já mais mansos e seguros entre nós, do que nós andávamos entre eles.
Foi o Capitão com alguns de nós um pedaço por este arvoredo até uma ribeira grande e de muita água que, a nosso parecer, era esta mesma, que vem ter à praia, e em que nós tomamos água.
Ali ficamos um pedaço, bebendo e folgando, ao longo dela, entre esse arvoredo, que é tanto, tamanho, tão basto e de tantas prumagens, que homens as não podem contar. Há entre ele muitas palmas, de que colhemos muitos e bons palmitos.
Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz, que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã, que é sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses dez ou doze que aí estavam, acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crença.
E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.
Portanto Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar a santa fé católica, deve cuidar da sua salvação. E prazerá a Deus que com pouco trabalho seja assim.
Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e frutos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
Neste dia, enquanto ali andaram, dançaram e bailaram sempre com os nossos, ao som dum tamboril dos nossos, em maneira que são muito mais nossos amigos que nós seus.
Se lhes homem acenava se queriam vir às naus, faziam-se logo prestes para isso, em tal maneira que, se a gente todos quisera convidar, todos vieram. Porém não trouxemos esta noite às naus, senão quatro ou cinco, a saber: o Capitão-mor, dois; e Simão de Miranda, um, que trazia já por pajem; e Aires Gomes, outro, também por pajem.
Um dos que o Capitão trouxe era um dos hóspedes, que lhe trouxeram da primeira vez, quando aqui chegamos, o qual veio hoje aqui, vestido na sua camisa, e com ele um seu irmão; e foram esta noite mui bem agasalhados, assim de vianda, como de cama, de colchões e lençóis, para os mais amansar.
E hoje, que é sexta-feira, primeiro dia de maio, pela manhã, saímos em terra, com nossa bandeira; e fomos desembarcar acima do rio contra o sul, onde nos pareceu que seria melhor chantar a Cruz, para melhor ser vista. Ali assinalou o Capitão o lugar, onde fizessem a cova para a chantar.
Enquanto a ficaram fazendo, ele com todos nós outros fomos pela Cruz abaixo do rio, onde ela estava. Dali a trouxemos com esses religiosos e sacerdotes diante cantando, em maneira de procissão.
Eram já aí alguns deles, obra de setenta ou oitenta; e, quando nos viram assim vir, alguns se foram meter debaixo dela, para nos ajudar. Passamos o rio, ao longo da praia e fomo-la pôr onde havia de ficar, que será do rio obra de dois tiros de besta. Andando-se ali nisto, vieram bem cento e cinqüenta ou mais.
Chantada a Cruz, com as armas e a divisa de Vossa Alteza, que primeiramente lhe pregaram, armaram altar ao pé dela. Ali disse missa o padre frei Henrique, a qual foi cantada e oficiada por esses já ditos. Ali estiveram conosco a ela obra de cinqüenta ou sessenta deles, assentados todos de joelhos, assim como nós.
E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado; e então tornaram-se a assentar como nós. E quando levantaram a Deus, que nos pusemos de joelhos, eles se puseram assim todos, como nós estávamos com as mãos levantadas, e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção.
Estiveram assim conosco até acabada a comunhão, depois da qual comungaram esses religiosos e sacerdotes e o Capitão com alguns de nós outros.
Alguns deles, por o sol ser grande, quando estávamos comungando, levantaram-se, e outros estiveram e ficaram. Um deles, homem de cinqüenta ou cinqüenta e cinco anos, continuou ali com aqueles que ficaram. Esse, estando nós assim, ajuntava estes, que ali ficaram, e ainda chamava outros. E andando assim entre eles falando, lhes acenou com o dedo para o altar e depois apontou o dedo para o Céu, como se lhes dissesse alguma coisa de bem; e nós assim o tomamos.
Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima e ficou em alva; e assim se subiu junto com altar, em uma cadeira. Ali nos pregou do Evangelho e dos Apóstolos, cujo dia hoje é, tratando, ao fim da pregação, deste vosso prosseguimento tão santo e virtuoso, o que nos aumentou a devoção.
Esses, que à pregação sempre estiveram, quedaram-se como nós olhando para ele. E aquele, que digo, chamava alguns que viessem para ali. Alguns vinham e outros iam-se. E, acabada a pregação, como Nicolau Coelho trouxesse muitas cruzes de estanho com crucifixos, que lhe ficaram ainda da outra vinda, houveram por bem que se lançasse a cada um a sua ao pescoço. Pelo que o padre frei Henrique se assentou ao pé da Cruz e ali, a um por um, lançava a sua atada em um fio ao pescoço, fazendo-lha primeiro beijar e alevantar as mãos. Vinham a isso muitos; e lançaram-nas todas, que seriam obra de quarenta ou cinqüenta.
Isto acabado  era já bem uma hora depois do meio-dia – viemos às naus a comer, trazendo o Capitão consigo aquele mesmo que fez aos outros aquela mostrança para o altar e para o Céu e um seu irmão com ele. Fez-lhe muita honra e deu-lhe uma camisa mourisca e ao outro uma camisa destoutras.
E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos, hoje também comungaram.
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à missa e a quem deram um pano com que se cobrisse. Puseram-lho a redor de si. Porém, ao assentar, não fazia grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior, quanto a vergonha.
Ora veja Vossa Alteza se quem em tal inocência vive se converterá ou não, ensinando-lhes o que pertence à sua salvação.
Acabado isto, fomos assim perante eles beijar a Cruz, despedimo-nos e viemos comer.
Creio, Senhor, que com estes dois degredados ficam mais dois grumetes, que esta noite se saíram desta nau no esquife, fugidos para terra. Não vieram mais. E cremos que ficarão aqui, porque de manhã, prazendo a Deus, fazemos daqui nossa partida.
Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até à outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. De ponta a ponta, é toda praia parma, muito chã e muito formosa.
Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
Porém o melhor fruto, que nela se pode fazer, me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
E que aí não houvesse mais que ter aqui esta pousada para esta navegação de Calecute, bastaria. Quando mais disposição para se nela cumprir e fazer o que Vossa Alteza tanto deseja, a saber, acrescentamento da nossa santa fé.
E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza do que nesta vossa terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha, de Vos tudo dizer, mo fez assim pôr pelo miúdo.
E pois que, Senhor, é certo que, assim neste cargo que levo, como em outra qualquer coisa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d'Ela receberei em muita mercê.
Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha